quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Quem poderá consertar O Que Deus desmantelou?

Atenta para a obra de Deus; porque quem poderá endireitar o que ele fez torto? (Ec 7.13)

Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
RF Amaral

1
Por que nosso corpo tende
A inclinar-se à vaidade
Que há na vil dificuldade
Da qual o mundo depende?
O orgulho é o que nos prende
No que já se decretou
E o que se determinou
Não há como se mudar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
2
A criatura se infecta
No lodo langue da inveja
E, assim, o peito se abreja
Na fúria que se detecta.
A alma tola conecta
O corpo ao que se apegou
E a rotina assiste o show
De brigas e mal-estar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
3
É difícil achar respostas
Para o complexo da vida
E a dúvida é que liquida
As hipóteses propostas.
Não há lances nem apostas
Neste jogo que instaurou
No dia a dia o que achou
De vir nos degenerar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
4
Esta criação que geme
Não sabe a resposta certa
E não se encontra liberta
Daquilo tudo o que teme.
Embora e por mais que reme,
O homem nunca chegou
Ao porto que desejou
Só por muito se esforçar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
5
Está mui longe de nós
A razão de ser do mundo,
O sentido é mais profundo
Que a nossa dúvida atroz.
E, em meio aos contras e os "prós"
Da discussão que vingou,
Ninguém nunca se encontrou
Satisfeito ao acabar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
6
Podemos até dizer
Que o debate é proveitoso,
Mas, ao fim, não finda em gozo
O constante debater.
Só depois de perceber
No que o tudo se tornou,
O meu ser se conformou
A repousar e calar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
7
Por mais que a inquirição
Seja sagaz e sincera,
Nunca passará de mera
Pergunta vã sem razão,
Já que a nossa compreensão
Nunca, jamais perscrutou
O cerne do que se achou
A procurar questionar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
8
Só Deus pode se imiscuir
Na profundezas dos fatos
E revelar em relatos
Por onde devamos ir.
Sem Deus não dá pra sair
Do lugar onde eu estou,
Por que meu ser se apegou
À imperfeição sem par.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
9
Não sei nem se nada sei,
Visto a certeza ser mera
Conclusão que se assevera
Sem a certeza da Lei.
De certo, nem isto eu hei
De comprovar, e, assim, vou
Vivendo aquilo que dou
Como certo sem provar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
10
Nunca serei um agnóstico
Nem dado ao Relativismo.
Fixo em um Paradoxismo,
Eu sigo sem ser pernóstico.
Não sei dar um diagnóstico
Certo do que se instaurou,
Pois, simplesmente, não sou
Capaz de o manifestar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
11
Pode parecer loucura
O estado que encontro tudo,
Mas há "indícios" no estudo
Imparcial que se apura.
Eu sei que a batalha é dura
Para quem não se atinou
Para este "fato" que estou
A tentar clarificar...
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
12
Falo muito, mas não quero;
Busco, mas só quero a paz;
Procuro e exagero, mas
Condeno-me, ao que exagero.
Tento muito, pois espero
Desvendar o que ficou
Oculto, mas sempre estou
Propenso a capitular.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
13
Olhe o espaço e perscrute
O Cosmos que se abobada.
Pra cada estrela engastada
Há um "Quê" que se discute.
Que o inquiridor relute:
"De onde vim? Pra onde vou?
Por que razão cá estou?"
Sem Deus, nada há de encontrar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
14
Por que me fizeste assim?
Por que não estes caminhos?
Por que colocas espinhos
Sempre diante de mim?
Deixa-me viver assim,
Pois logo logo me vou.
Permite-me ir, estou
Querendo me libertar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
15
Onde está o esconderijo
Escuro e inexpugnável?
O abismo negro insondável
Onde encontre um regozijo?
No vão ao qual me dirijo
Você se refestelou.
Estás no espaço onde estou
Em qualquer hora ou lugar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
16
Quem poderá Te dizer:
"O que estás fazendo aqui?"
Quem se livrará de Ti,
Procurando se esconder?
Não há mais nada a fazer,
Senão ver o que restou
Deste mundo que ficou
Entregue ao vão tumular.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
17
As inquirições bem podem
Deixar-nos loucos ou sábios,
Mas as respostas dos lábios
Razões finais não acodem.
Boas perguntas eclodem
Da mente do que pensou.
Mas nunca se divisou
Poder de as elucidar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
18
Contemplo o "azar" da lida,
O "acaso" e seus filhos vãos,
E encontro tudo nas mãos
Do Ser que a tudo dá vida.
Minha força se liquida.
O meu ser já se esgotou.
Quero parar, mas estou
Sempre pronto a perguntar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
19
As lições que o mundo ensina
Nunca são lições completas,
Pois que se encontram repletas
De manchas de vil doutrina.
Nem o intelecto me inclina
À solução que eu estou
Sempre à procura, e eu vou,
Porém, sem saber chegar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
20
O que é o tempo do homem?
Quanto ele pode aprender?
Quanto a vista pode ler
Co'os globos que se consomem?
O que são seres que comem
O que aqui já se encontrou?
Seres sãos não se avistou
Que possam se recriar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
21
Cavalga a mula das horas
Num trote de morte e medo
E o homem se vai bem cedo.
Não pode causar demoras!
Vai como vão-se as auroras!
Como o dia que passou!
"Vê que em ninguém se encontrou
Poder de o perpetuar!"
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
22
Dias vêm e dias vão
Numa carreira sem rédeas,
Inflando as tragicomédias
Da vida da criação.
Não há glória e ostentação
Na guerra que se instalou.
Ninguém ainda inventou
Formas de continuar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
23
Tudo, um grande desmantelo.
Um desarranjo mental.
Um complexismo abissal
Que nos causa pesadelo.
De onde veio o desmazelo
Que este Universo tornou
Descuidoso e afetou
O Mundo Corpuscular?
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
24
Dá-me a resposta, ó Espaço!
Dá-me a solução que peço!
Inquiro, mas, sem sucesso,
Recalcitro ante o fracasso.
Diz-me, ó Universo Crasso,
De onde, pois, se originou
O erro que ocasionou
Este Caos Falimentar?
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
25
Grito, corro, imploro, gemo,
Esmurro o ar, debatendo-me,
Termino fraco, rendendo-me
Ao que "nego" e que mais temo.
Tremo ante um desgosto extremo,
Frente a luta que acabou
Por me esgotar e vingou
Em vaidade vulgar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
26
Tudo é vão, vazio, é nulo!
Os homens vivem de contos!
Estão eles sempre prontos
A idolatrar o que é chulo!
Reflito, porém engulo
O que o meu ser divisou.
Não sei mesmo o que eu estou
Fazendo neste lugar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
27
Ao ouvir o Eclesiastes,
Vi tudo que tudo é ilusão.
Não há mesmo solução
Pra este e aqueles desgastes!
Levados como em arrastes
São os homens e eu estou
Neste meio que ficou
Sujeito ao insalutar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
28
A dor a todos consome
E o problema não vê fim.
E, ante isso, eu digo: "Ai de mim,
Mais um ser que a terra come!"
Que tenha ou não tenha nome,
Fato é Que o que inoculou
A morte no que formou
Quis a todos castigar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
29
Procurei abrir inquérito
Contra isto que me rodeia
(Posto que a minh'alma odeia
Esta vivência sem mérito!)...
Cada presente e pretérito
A minha mente apurou,
Mas Moral não encontrou
Para se justificar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
30
É que o Pó não me traz Lei
Pela qual possa, em Juízo,
Condenar, sem sobre-aviso,
O Mal que aqui encontrei.
Vi-me dentro do que achei
Corrompido, e ainda estou.
E, assim, meu ser fracassou
No que achara triunfar.
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?
31
Minha busca acaba aqui
Frente a dor deste martírio,
Sem bálsamo, flor, sem lírio,
Na sepulcral bugari...
Misericórdia, eu, a Ti
Peço - ante o que se afirmou -
Ó Ser que tudo criou.
Dá-me a Resposta Exemplar!
Quem poderá consertar
O Que Deus desmantelou?


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Um cordé amundiçado - Muié de matuto impresta. / Mas adispois dá o trôco



Um cordé amundiçado

Muié de matuto impresta.
Mas adispois dá o trôco

1
Manezim de Zé peitica
Deu a gota da muzenga
E arrumô uma arenga
Pra lá do sítio Oiticica
Cum Rita de Zé de Quica,
Muié de um friviôco
Que dêxa quaiqué um lôco,
Do caba mijá os cuêro (qüêro),
Correr no mei dos coquêro
E num findá o sufoco.
2
Tudo isso só foi pru mode
Dele pagá a valia
Daquilo que ele devia
Cum a quá comprô um bode…
Espia só como pode!...
O caba cheim dos trôco,
Se metê nesse sufoco
Co’a cara mais dislavada...
Sem precupá cum nada,
Fazê papé de ovo-choco.
3
O bode virô buchada
E o dinhêro iscafedeu…
Num sei o que aconticeu.
Ninguém me contô de nada.
Só vi foi uma zuada
Dos capeta dos oiti.
Inté môco deu pra’uvi.
Parece que era uma festa
Daquelas que disembesta
Sem se sabê pr’onde í.
4
Adispois bateu na porta
Sinhá Rita cum porrete,
Pra vê se dava um cacete
No caba da venta torta,
Que cum nada se importa,
Mêrmo cum conta a pagá…
Disse a esposa: - Num tá.
Nem vai chegá muito cedo.
Tava murrida de medo
De Rita se inroletá.
5
Quando o dia amãicêu,
Tava Rita lá de novo.
E viu se ajuntá o povo.
Aí, mais se infuriceu.
Intão ôtra vez bateu
Na porta de manezim,
Que abriu e disse assim:
  • Num vô li pagá nadinha…
Pode chamá de murrinha,
Que eu me agaranto por mim!
6
  • Cale a boca caba ruim.
Deixe de cunvéssa mole.
Cabeça de iscapole,
Me pague o que deve a mim!
Quero é tintim por tintim,
Inté o último tustão.
Ô você paga, sinão
Vô li butá na cadêa,
Li dá um cambôi de pêa
De li’istatalá no chão!
7
Manezim ficô surrino
Mas ela disse: - Num surra!
Caba da cara de burra!
Você é vê um minino
Dos maluvido e malino
Que faz nós perdê a bola.
Hoje você se atola…
E vai tê que me pagá,
Seu galego sarará,
Ô vai acabá na sola!
8
Bateu-le a porta na cara.
Fingiu que num tava uvino.
Inda cuntinuô rino
(pois caba ruim nunca para)...
Rita ficô uma arara,
Fumaçano de raivosa.
Foi im casa. Chamô Rosa.
Mandô trazê o facão,
Foice, punhá, três oitão
E se aprontô furiosa.
9
Foi na casa do danado,
Tano armada inté os dente.
Paricia uma tenente.
Perto, era vê um sordado!
Já o Manezim, coitado,
Ia infrentá a pantera.
Cum medo daquela fera,
Mijava inté a caçola...
Deu de garra da pistola
E ficô à sua ispera.
10
A puliça sôbe logo
Do furdunço que ia havê.
Vei antes de acunticê.
E esse fato eu catalogo.
E inté me interrogo
No que fébe é que vai dá…
Ela vei de lá pra cá.
Atravessô o riacho.
Se ele fô um caba macho,
Hoje vai tê que güentá!
11
Disse: - O dinhêro, quedê?
  • Tá aqui meu pagamento.
Deu-le, no mêrmo momento,
Um tabefe pra valê.
Ela disse: - Tu rai vê
O que é que eu vô te aprontá…
Meteu a mão no punhá
E pegô nas súar beca.
Quage ele molha a cueca
De tanto se amedrontá.
12
A puliça inté tentô
Sepá os dois de canto.
Apanhô do mêrmo tanto
E a briga num acabô.
Rita num se acabrunhô,
Foi quá Maria Bunita…
Intão Manezim viu Rita
E tremeu inté chorá.
Adispois quis se afastá,
Temeno aquela “bendita”.
13
Chute, murro e cabeçada,
Tapa, bufete, impurrão,
Tiro inté de três oitão,
Tabefe e tamburetada…
E o povo na calçada
Oiano aquele furdunço,
Que nem briga de jagunço
No tempo de Lampião.
Um disse: - Bagunce não!
O ôto disse: - Eu baguuunço!
14
Rita chutô-le nos óvo
Que chega fartô-le o á.
Disse ele: - Eu vô ti pegá,
Pruque isso eu num aprovo!...
Disse o “delega”: - Eu comprovo
Que, daqui pra de mais tarde,
Tudo o que fô de covarde
Vai saí do mei da briga…
Mas num findô-se a intriga
E o povo entrô no alarde.
15
O povo se intramelô
No mei daquela mundiça.
Entrô inté a puliça,
Mas nada solucionô…
Intão a guerra acabô
Cum povo todo cansado,
Os puliciá quebrado
E a rua do mêrmo jeito.
E, inté mêrmo o prefeito
Saiu de lá iscornado.
16
De tudo, teve um defeito,
Os principá da questão
Se intendêro e dero “ar” mão
E o povo ficô no “pleito”.
Quem num brigava, achou jeito
De fazer pancadaria.
Que inté no finá do dia
Tava uma situação
Que nem o “Diabo do Cão”
Eu penso que agüentaria.
17
O pagamento foi esse:
Uma junta de cabrita,
Uma fazenda de chita…
E findô-se o interesse…
Mas me diz, de um diabo desse,
Que tróço é que dá na vida?
A luta foi divirtida.
Mas, no finá, tudo acaba
E resta ainda uma aba
De briga má resovida

……………….

Autores: Poetas
Roberto Felipe Melo Leite do Amaral

João Carlos Nogueira Borges